Haverá algo mais
importante nesta vida do que estar preparado para comparecer ao Juízo após a
morte, no qual decide-se nosso destino eterno? É natural que Nossa Senhora, Mãe
extremosa dos homens, nos ajude na preparação para enfrentarmos tal momento de
suprema importância.
Muitos anos atrás,
um amigo deu-me de presente uma medalhinha com o curioso nome de Nossa Senhora
do “aviso”. Fiz o óbvio, ou seja, agradecer a medalha e perguntar-me que aviso
era aquele. “Ora, pois”— respondeu-me o descendente de portugueses — “o aviso
de que o Sr. vai morrer”.
Levei um primeiro
choque, pois, se bem seja verdade que todos vamos morrer, e não sabemos quando,
um frio passou-me pela espinha ao pensar que talvez o fato de receber a medalha
fosse o aviso da morte. Riu de bom grado o português, quando fiz esse
comentário. Certamente seu rosto redondo não parecia o de um mensageiro de
fatalidade. “O Sr. parece ateu. Pensa talvez que Nossa Senhora vai avisá-lo sem
dar, ao mesmo tempo, uma graça de resignação?”. Isso tranquilizou-me. Primeiro,
porque eu tinha recebido um susto, não uma graça. E depois porque pareceu-me
tão óbvio que uma Mãe desse tal aviso da forma mais adequada possível, que
fiquei até envergonhado dessa minha reação.
De lá para cá,
tenho guardado a medalha e rezado toda noite, na confiança de que Nossa Senhora
avisar-me-á para preparar-me, quando chegar a hora mais séria de minha vida.
Histórico peculiar da devoção.
Em fins do século
XVII existia, numa pequenina localidade portuguesa chamada Serapicos, uma
capela dedicada a Nossa Senhora do Aviso, que era servida por uma confraria do
mesmo nome. A confraria é anterior a 1726, pois nessa data já era enriquecida
de indulgências.
Antiga medalha de Nossa Senhora do Aviso. |
Quando foi
construída a capela? Nada consta. Sabe-se apenas que ela foi edificada em
agradecimento pelos habitantes do povoado, após um deles, que regressava à casa
num dia de inverno numa carroça puxada por uma junta de bois, ter sido
surpreendido por lobos famintos. O homem aflito implorou o auxílio de Nossa
Senhora, e os lobos retiraram-se sem fazer-lhe o menor dano, bem como aos dois
animais.
A primitiva
capela, danificada pelo tempo, foi substituída por uma nova, no mesmo local,
por volta de 1890. Esta encontra-se de pé até hoje.
Curiosamente, não
se conseguiu retirar a imagem do local. Em 1840, algumas pessoas tentaram
levá-la para o enterro de uma senhora, muito portuguesamente apelidada de Tia
Pimparela. Mas, após andarem uns 300 metros, não conseguiam movê-la, devido a
seu peso. Estupefatos, os devotos decidiram conduzi-la de volta à capela, o que
conseguiram sem dificuldade. Igualmente, habitantes do povoado de Sanceriz
pretenderam transportá-la para sua igreja, na calada da noite, sob a alegação
de prestarem-lhe um culto mais digno. Mas nem esses robustos habitantes de
Sanceriz puderam carregá-la, devido ao inesperado peso que notaram na imagem.
A graça da boa morte.
Analisando os
relatos de graças recebidas pelos devotos da imagem, encontramos grande
variedade delas: curas de doenças, mudos que começam a falar, proteção contra
ataques de lobos etc. Mas os relatos que mais chamam a atenção são os de
pessoas avisadas da morte próxima. Transcrevemos abaixo dois relatos
relativamente recentes, recolhidos por um sacerdote da região:
A Sra. Dona Maria
Rufina Baptista, de 84 anos de idade, grande devota de Nossa Senhora do Aviso,
quando estava em seu leito de dor, esperando a hora da partida, três dias antes
de sua morte, pediu para mandar vir os filhos da França, pois estava à beira da
morte. Quando os filhos chegaram, disse-lhes: “Estava à vossa espera. Agora já
posso partir. Irei só amanhã, como me avisou Nossa Senhora do Aviso. Isto foi
no dia 17 de março de 1986, e ela morreu no dia 18 às 21 horas”.1
Em 1988, no curso
duma peregrinação à capela, ao ser contada a crença profundamente arraigada no
povo da região, de que aqueles que levam a Medalha de Nossa Senhora do Aviso e
rezam a ela são avisados três dias antes da morte e ajudados a bem morrer, uma
senhora presente deu este testemunho: “É verdade o que acabais de ouvir, e
posso atestá-lo com dois fatos ocorridos em minha família. Sou viúva, o meu
marido foi seminarista. Tendo saído do seminário, casou-se e sempre foi
católico fervoroso e exemplar chefe de família. Trazia a medalha de Nossa
Senhora do Aviso. Três dias antes de sua morte, chamou-me e disse: “Eu suponho
que estou em graça de Deus, mas quero preparar-me melhor, pois vou morrer
brevemente. Nossa Senhora já me avisou. Quero que o Sr. Prior me venha confessar
e me dê todos os sacramentos”. Passados três dias, morreu santamente. Igualmente
meu filho de 15 anos disse-me: “Mamãe, é inútil querer curar-me. Deus me quer
para Si. Nossa Senhora já me avisou que vou morrer. Mande chamar o Sr. Prior”.
Eu respondi-lhe: “Meu filho, sabes a pena que sinto com tua morte, mas se é
essa a vontade de Deus, que ela se faça”. Passados poucos dias, meu filho
morreu também santamente, dizendo-me antes, quando lhe perguntei como sabia que
ia morrer, o seguinte: “Mamãe, Nossa Senhora avisou-me, mas o modo como me
avisou, não o posso dizer, é segredo”.2
Devoção muito confortante.
Meditando sobre
essa devoção, encontramos vários fatos dignos de consideração. O primeiro é que
ela nasceu de um episódio aparentemente não relacionado com o aviso da morte,
como é salvar um carreteiro e seus bois dos lobos. Mas, na realidade, é bom
ressaltar que na hora da morte o demônio age como um lobo faminto, ansioso em
apanhar suas vítimas. A Sagrada Escritura compara o demônio tentador a uma fera
rugindo a nosso redor: “Sede sóbrios e vigiai, porque o demônio, vosso
adversário, anda ao redor, como um leão que ruge, buscando a quem devorar” (I
Pd 5,8) 3. E se as tentações nessa vida podem ser terríveis, não
serão ainda mais violentas as últimas tentações antes da morte, nas quais se
joga tudo e para sempre?
Antigo hino à Nossa Senhora do Aviso. |
Isto nos leva a
uma segunda consideração. Dada a seriedade dessa hora, teria sentido que Nossa
Senhora, tendo nos ajudado ao longo de toda nossa vida, justamente nesse
momento decisivo não nos avisasse para comparecermos eximiamente bem preparados
ante seu Divino Filho, que deve ser nosso Juiz? Assim como uma boa mãe ajuda
seu filho na escola durante todo o ano, e chegando a época das provas finais
ela extrema sua dedicação maternal, preocupação e ajuda, assim também Nossa
Senhora atua nesse momento culminante da vida do homem.
Finalmente, chama
a atenção a graça de tranquilidade que vem junto ao aviso de morte próxima. Não
aparecem nos relatos das pessoas que recebem o aviso cenas de pânicos, revoltas
ou desespero, que poderiam ocorrer ante uma situação tão dramática, como se
pode atestar quotidianamente num hospital. Pelo contrário, nota-se uma
conformidade com a vontade de Deus, que é bem um sinal de Nossa Senhora. Não
seria razoável Nossa Senhora nos avisar o momento de nossa morte e, ao mesmo
tempo, não nos ajudar a prepararmo-nos para essa ocasião. Quem poderá fazer uma
boa preparação para a morte se está, por exemplo, revoltado diante da
possibilidade de ter que abandonar seus filhos em meio às incertezas da vida?
Ou de deixar a família numa situação econômica comprometida? Justamente, ao
aviso de Nossa Senhora vem associada uma certeza de que, sendo Deus a
sabedoria, Ele escolherá, por excelência, o melhor momento para prestarmos
conta de nossa vida.
Não conhecemos o futuro,
mas Deus sabe.
Notas:
1.Pe. Adérito
Augusto Custódio, Nossa Senhora do Aviso, Notas históricas, Bragança, Portugal,
1990, p. 56.
2.Idem, p. 57.
3.Bíblia Sagrada,
Ed. Paulinas, 6ª edição, 1953, São Paulo, traduzida da Vulgata pelo Pe. Matos
Soares.
(Valdis Grinsteins – Catolicismo.com.br)